sexta-feira, 11 de julho de 2014

Enfim, um homem sensível

Se eu pudesse escolher uma imagem para representar a Copa de 2014, seria a de David Luiz deixando o estádio do Mineirão com lágrimas nos olhos, pedindo desculpas à multidão nas arquibancadas. Minha impressão é que esse rapaz veio a simbolizar, nos últimos dias, por seu comportamento e por suas atitudes, algumas novidades positivas a respeito dos homens brasileiros. Nos momentos de alegria e de tristeza, ele fez com que a gente se orgulhasse dele – e, por extensão, de nós mesmos. Não se pode pedir mais que isso de um herói.
Ontem, ao final daquele jogo terrível com a Alemanha, que encheu de vergonha os que gostam de futebol, David Luiz não tentou inventar explicações que salvassem a sua pele ou a de seus colegas de time. Ele simplesmente chorou diante das câmeras, depois de ter lutado em campo, reiterando, de uma forma que parecia muito sincera, o quanto era importante para ele “dar alegria ao povo sofrido do Brasil” e como lhe doía haver falhado de forma tão miserável nessa missão. Numa profissão dominada por milionários consumistas, desconectados das pessoas que lhes garantem a fama e a fortuna, me comoveu ver um sujeito com os sentimentos tão próximos aos dos torcedores. David Luiz, como nós, estava triste e envergonhado, e teve a grandeza de expor isso em público, sem subterfúgios.
Muitos dirão que ele teve culpa no gol sofrido pelo Brasil e na debacle que conduziu ao placar de 7 a 1 a favor da Alemanha. A esses eu diria que não há nada pior do que ser o capitão de um general incompetente. David Luiz, como os demais jogadores, entrou em campo totalmente despreparado para enfrentar o que veio pela frente. O time estava mal escalado, mal orientado e mal treinado. Quando a partida começou, ficou evidente que jogávamos um futebol obsoleto e ultrapassado, enquanto os alemães se moviam pelo campo de forma eficiente e harmoniosa. Parecia haver no Mineirão equipes de duas épocas diferentes, ou praticantes de dois esportes distintos. Era cruel e doloroso ver como uns sobrepujavam os outros com tanta facilidade, a ponto de os alemães parecerem constrangidos. Eles tinham um time, nós éramos um bando que rapidamente se desfez, inclusive emocionalmente. Os jogadores, no entanto, tiveram de continuar em campo, desorientados, entregues à própria sorte e às vaias, construindo, ao longo de 90 minutos, memórias que irão persegui-los pelo resto de suas vidas, injustamente. O verdadeiro responsável pelo desastre, o general incompetente, deu outro tipo de entrevista ao final do jogo. Sem lágrimas, sem pedidos sinceros de desculpas – a palavra “desculpas” escapou no meio de uma frase comprida, sem muita ênfase – Luiz Filipe Scolari assumiu a responsabilidade pela derrota numa frase ambígua (“o time dirá que eles são responsáveis, mas o responsável sou eu”) e, assim que pôde, sacou a imagem da “pane” da equipe, como se a derrota monumental, espetacular, medonha fosse um mero acidente mecânico, um mau funcionamento imprevisível e inexplicável. Felipão não entendeu porque foi derrotado, (ele parece não ter as ferramentas profissionais para isso), mas tenta fazer parecer que a culpa não é dele. Nada mais distante da humildade de David Luiz do que a arrogância do general derrotado que não perde a pose. Um pede desculpas com sinceridade. O outro deixa claro que a culpa não é realmente dele. Vocês percebem a diferença? De um lado está o velho clichê da masculinidade: você agride para impedir as críticas, você não admite erros e nem exibe vulnerabilidade, seu objetivo é prevalecer, não dizer a verdade ou ser feliz. Faz parte disso a teimosia – que garante que o sucesso é apenas seu – e a insinceridade, que permite manipular os sentimentos do outro. No trabalho ou nas relações pessoais, esse é um modelo antigo e ainda muito utilizado. Do outro lado, há um modelo novo, mais tocado pela lógica feminina, que admite culpa, que inclui a sensibilidade e a opinião do outro, que desabafa, que deseja expor e conversar. No modelo velho, antigo, as relações pessoais e profissionais são uma farsa manipulativa com o objetivo de vitória. A derrota tem de ser escondida e negada, porque enfraquece. A auto-ilusão e a negação são a regra. Qualquer outra coisa é sinal de fraqueza. Diante disso tudo que o Felipão representa, David Luiz me parece uma imensa novidade. Sai de cena o macho gaúcho e manipulador e entra o homem sensível.
O jovem cabeludo de Diadema é um cara capaz de lutar como um leão, como fez em todas as partidas, mas doce o suficiente para abraçar o adversário e consolá-lo na derrota, como aconteceu ao final do jogo com a Colômbia. É um sujeito capaz de se emocionar, de chorar, de pedir desculpas. Ele assume responsabilidades difíceis, como bater o primeiro pênalti, mas brinca e ri com os colegas como um igual. Tem liderança natural, É um cara que exibe o raro sentimento de empatia, a qualidade de quem consegue se colocar no lugar do outro. Num mundo agressivo e egoísta, em que as pessoas são ensinadas a impor os seus desejos e evadir-se dos erros e das responsabilidades, as atitudes públicas do David Luiz me parecem um exemplo sensacional. Até a namorada dele, a modelo portuguesa Sara Madeira, não tem muito a ver com as loiras de corpo voluptuoso que os atletas vencedores exibem por aí. A moça é linda, mas normal. Não parece outro item no catálogo de ostentação de um jovem milionário.
Seria uma injustiça se David Luiz entrasse para a história como representante de uma geração de perdedores estigmatizados, como aquela da Copa de 1950 no Maracanã. Eu acredito sinceramente que ele não tem culpa. Ninguém avança numa competição dessa sem bons líderes, sem uma sólida orientação. Acabou-se a época dos improvisos. O caráter de David Luiz e de seus colegas de time não bastou para enfrentar o preparo superior dos alemães. Por causa disso eles foram humilhados diante de centenas de milhões de pessoas no mundo inteiro, e nós com eles. Foi um aprendizado terrível. Tomara que ele traga algum fruto ao futebol e à consciência do país. Quanto ao David Luiz, que ele possa andar por aí de cabeça erguida, cabelos crespos ao vento, rindo e chorando quando tiver vontade. A era dos gaúchos durões acabou.

in Época

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