SÃO PAULO - Ninguém esquece o primeiro professor. David Luiz e Willian provavelmente lembram-se deles. Nestes casos, no entanto, o contrário é até mais verdadeiro. São os mestres que recordam cada detalhe dos seus alunos que hoje representam o Brasil na estreia da seleção na Copa do Mundo.
As caretas, as selfies engraçadas e o jeito brincalhão do zagueiro titular do time de Felipão e do Chelsea são velhas conhecidas de Domingos Ferreira. Mesmo 15 anos depois de David Luiz sair da então Escolinha de bola do Marcelinho, em Diadema, no ABC paulista — desde 1998, tornou-se Escolinha César Sampaio —, as características marcantes daquele menino franzino de 8 anos continuam presentes no defensor cabeludo que impõe respeito.
— Ele sempre foi muito sapeca. Mal chegou e já fazia piada com todo mundo, com os meninos e os professores. Mas sempre com respeito — lembra o professor, que coordena a escolinha até hoje.
O espírito de liderança dentro de campo, que chegou a ser motivo de castigos na escolinha por exagerar na bronca após erros dos coleguinhas, servia também para as travessuras. David, ainda sem os cachos, apenas com um leve topete louro, comandava as brincadeiras. Certa vez, em uma viagem de jogo, do fundo do ônibus, ele puxou o coro: "Domingos careca, nunca viu uma perereca"
— Eu estava ficando calvo e, do nada, ele começou a cantar. Primeiro, não reconheci a voz. Olhei para trás e vi que era ele. Daqui a pouco, todos os meninos estavam cantando. Não tinha o que fazer a não ser rir — diverte-se o professor.
Em campo, o lado travesso dava a lugar à seriedade. Foi toda a concentração no futebol que o levou longe, acredita Domingos. Já nos primeiros toques na bola e primeiros jogos na escolinha era perceptível que ali estava um futuro grande jogador.
— Ele era diferente. Foi formado para ser jogador. O pai dele já jogava com ele em campinhos perto de casa. Ele chegou com técnica mesmo tão novo. E não gostava de perder, isso o tirava do sério e precisávamos segurá-lo — analisa ele, que também viu surgir Lucas, hoje no PSG.
Com personalidade totalmente oposta, Willian chegou com a mesma idade na unidade de Santo André, que funcionou até 2012. O menino tímido de Ribeirão Pires ficou três anos na escolinha até ser chamado pelo Corinthians. Só se soltava quando estava em grupo, mas nunca foi o mentor das brincadeiras.
Agora, na seleção, William mantém a característica de chegar de mansinho. Ele tem sido escolha quase unânime para substituir Oscar no meio-campo do Brasil.
— Tecnicamente ele já era bom, mas não era o tipo de jogador que se destacava tanto, não aparecia nos jogos sempre. No Corinthians, começou a se destacar mais. Ele é desse jeito. Chega e vai descobrindo por onde entrar. Nunca escolhe a porta escancarada. Procura a entreaberta e vai conquistando seu espaço de forma mais definitiva — diz o professor Edmundo Ferrari, que falou pela última vez com o meio-campo quando ele foi para a Ucrânia. — Ainda tive contato com o pai dele por um tempo, e conversei com o William logo após a mudança. Só reclamava do frio.
David Luiz era meia avançado
Apesar das diferenças, há algo em comum que os professores apontam nos dois jogadores. Eles tiveram de dar, literalmente, alguns passos para atrás em campo a fim de alcançar sucesso na profissão. O zagueiro era praticamente um meia avançado e muito veloz.
— Ele ia de segundo volante a meia e ganhava jogos para nós. Era o nome do jogo várias vezes. Quando ele foi para o Vitória, ganhou corpo e esticou. Passou de 1,80m e pela altura foi jogar na zaga. Mas toda a fase de aprendizado dele, da formação motora foi no meio. Isso deu um repertório amplo a ele. Já até jogou de lateral-esquerdo no Benfica — explicou Domingos.
— William batia muito bem na bola e gostava de jogar na frente. Era muito mais um segundo atacante. No Corinthians, ele deu os passinhos para trás e passou a se destacar mais — disse Edmundo.
Sem ingressos, pois não conseguiram comprar e não acreditaram que conseguiriam, eles vão ver os pupilos pela TV. Com o orgulho de todo professor que sabe que ensinou bem a matéria. No caso, o futebol.
in O Globo
Sem comentários:
Enviar um comentário