quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A legião de Edersons

Ederson, do Lyon. O oitavo nome lido por Mano Menezes foi o que mais chamou a atenção na primeira convocação da seleção brasileira após a Copa do Mundo. “Quem é ele?” tornou-se a pergunta-padrão sobre o jogador que disputaria posição com o elogiado Paulo Henrique Ganso. E ficou sem resposta por causa da lesão que tirou o novato dos gramados por seis meses, após três minutos em campo. A relevância de Ederson para o futebol brasileiro atual, contudo, vai além do chamado inusitado e do azar logo na estreia. Com 24 anos, na Europa desde 2004, longe do papel de protagonista no seu time e desconhecido no país em que nasceu, o meia simboliza o perfil médio do jogador nacional na edição 2010/11 da Liga dos Campeões.
Estrelas como Kaká, Ronaldinho e Adriano estão em baixa – um machucado, outro cercado por um time envelhecido, o terceiro tentando, mais uma vez, reerguer a carreira. Titulares da Seleção e destaques da última edição, Julio Cesar, Maicon e Lúcio não são os protagonistas da campeã Internazionale. Perfil similar ao de Ramires, único brasileiro presente no Mundial a ser negociado com um time classificado na LC, mas longe de assumir o papel principal do Chelsea. O grosso da representação nacional será feito por uma legião de Edersons.
A trajetória do meia do Lyon começou no RS Futebol, clube gaúcho criado por Paulo Cezar Carpegiani para revelar e negociar atletas. Ederson foi garimpado em uma escolinha de Marília, cidade vizinha de Parapuã, interior paulista, onde nasceu. Camisa 10 da seleção brasileira no título mundial sub-17 de 2003, ele chamou a atenção do Internacional e acabou emprestado ao atual campeão da Libertadores. Porém, sentiu na pele como o futebol é um meio onde o talento nem sempre é suficiente. “Não me firmei no Inter. Senti que, quando o clube não vai ter direito sobre alguma parcela em uma eventual venda sua, ele não tem por que investir em você. Não te coloca para jogar.”
Voltou ao RS, mas ficou lá por pouco tempo. A amizade entre Carpegiani e Ivo Worttman fez surgir uma oportunidade no Juventude. Seis meses bastaram para chamar a atenção do Nice. “Pensei: é melhor ir para a Europa do que seguir sendo emprestado no Brasil”, lembra o jogador, sempre muito sereno nas entrevistas, com fala pausada e raciocínio bem elaborado.
No Nice, um time pequeno do futebol francês, começou a se destacar. Aos poucos, tornou-se um meia de ligação com destaque no cenário da Ligue 1. Tanto que no meio da temporada 2007/08 o Lyon desembolsou € 14 milhões por ele. Ederson ainda não conseguiu render o que se dele espera no Lyon. Um processo prejudicado pela contusão em Nova York. Fora de campo, contudo, o armador não tem do que reclamar. Casado com uma italiana, será pai pela primeira vez em dezembro, de um menino francês. Além de curtir a gravidez da mulher, poderá, entre uma sessão e outra de fisioterapia, dedicar-se a um de seus passatempos preferidos na adolescência, jogar videogame. São as tardes e noites na concentração gastando o dedo no joystick a melhor lembrança que Thiago Silva, hoje no Milan, tem do antigo companheiro de RS que reencontrou na Seleção.
“Quando você fica um bom tempo sem ver os amigos e reencontra é uma coisa muito legal. Eu passei três anos com o Ederson no RS. Todo dia a gente ficava no quarto dele jogando videogame”, relembra o defensor rossonero.
Mas, ao contrário de Thiago Silva, o meia do Lyon é apenas mais um desconhecido para a maioria do povo brasileiro. “Eu estava preparado para isso, porque saí do País com 19 anos e praticamente comecei minha carreira na França. Já esperava essa reação natural das pessoas.”
Ter uma chance na Seleção ainda é uma realidade distante para outro “Ederson” que estará em ação na Liga dos Campeões. Atacante do Spartak Moscou, Ari viu sua vida virar de cabeça para baixo aos 16 anos. Sonhava em ser jogador de futebol, mas estava completamente perdido e abandonado, literalmente. Seu empresário havia prometido levá-lo de Fortaleza para o Avaí, mas sumiu no meio do caminho e deixou de presente um imbróglio jurídico que deixou o jogador seis meses parado. Na mesma época, Ari virou pai. Sem dinheiro e perspectivas, passou a jogar nas peladas da várzea, ganhando um trocado ou outro para “colocar o leite em casa”, como ele mesmo conta. Enquanto isso via os ex-companheiros da adolescência caírem na bebida.
O cenário, trágico e propenso a ter um final triste, mudouradicalmente em pouco tempo. Mais especificamente em oito anos. Esse foi o tempo que Ariclenes da Silva Ferreira levou para, hoje, aos 24 anos, ganhar um salário milionário, acumular a experiência de ter morado na Suécia, na Holanda e na Rússia e estar prestes a estrear na LC.
A exemplo de Ederson, Ari é totalmente desconhecido no Brasil. Revelado pelo Fortaleza, conseguiu uma transferência para o futebol europeu aos 18 anos para defender o sueco Kalmar. Uma temporada na fria Suécia e a artilharia do certame foi o suficiente para conduzi-lo ao holandês AZ, que desembolsou cerca de € 5 milhões. Mais três anos e o jogador brasileiro desembarcou em Moscou. “Entre minha ida para a Suécia, a passagem para a Holanda e a chegada à Rússia foi tudo muito rápido”, confessa.
Ari e os companheiros de time sabem que o Spartak Moscou entra na Liga dos Campeões com objetivos modestos em um grupo que conta com o milionário Chelsea e o tradicional Olympique de Marselha. Um bom desempenho, porém, pode fazê-lo sonhar em repetir a surpreendente convocação de Ederson, tornar-se ídolo em seu clube e, talvez, deixar de ser um anônimo no seu país.
É exatamente nesse estágio que se encontra David Luiz. Embora pouco conhecido no Brasil, de onde saiu aos 19 anos, e começando sua história na Seleção, o zagueiro é um ídolo da torcida do Benfica e cobiçado por alguns dos grandes clubes da Europa.
Um “Ederson já mais bem-sucedido que o próprio Ederson.
Hoje aos 23 anos, com 1,89 m, prefere nem se lembrar do tempo em que foi rotulado pelo São Paulo. Nascido em Diadema, atuou nas categorias de base do Tricolor dos 9 aos 14 anos, quando foi dispensado. A alegação era de que ele não cresceria o suficiente para virar jogador. “Fui mandado embora do São Paulo porque falaram que eu não iria crescer. Ainda era uma criança e jogava como meia-atacante”, diz o ex-baixinho.
Foi neste momento que David Luiz precisou tomar a decisão mais difícil de sua carreira – e a mais acertada, provavelmente. Com a chance de fazer um teste na Bahia, precisou do auxílio dos pais. Pediu unicamente à família que pagasse a passagem de avião. Hoje, o dinheiro gasto com essa passagem se multiplicou. Contratado ao Vitória pelo Benfica por € 1,6 milhão, tem multa rescisória estipulada em € 50 milhões.
Evangélico, o zagueiro é extremamente apegado à religião. Palavras como humildade, pureza e gratidão se repetem na entrevista. E é justamente a última que ele sente por um senhor chamado João Paulo, atualmente coordenador das categorias de base do Vitória. O motivo?“Tive a oportunidade de trabalhar com o David Luiz nos juniores. Ele não vinha bem. Havia se saído mal no juvenil. Estava na lista de dispensa, apenas no aguardo para ser liberado do clube. Na época, fomos jogar um torneio no Rio Grande do Sul e recorremos a ele para completar o grupo. Atuava como volante, mas tinha dificuldade. Recuei o David para a zaga. A partir daí, teve um crescimento impressionante. Em pouco mais de seis meses, estava nos profissionais. Não demorou muito, foi negociado”, conta João Paulo.
Ari, David Luiz e Ederson são apenas três exemplos de brasileiros quase famosos que estarão na Liga dos Campeões. Cleyton, por exemplo, de 27 anos, é um meia que fez toda a carreira no futebol grego e que tentará ajudar o Panathinaikos a superar o Barcelona de Messi, Xavi e Iniesta. O atacante Edu, 28 anos, foi revelado pelo Santos, mas nunca jogou no time profissional. Perambulou por diversas equipes até chegar ao futebol alemão, depois ficar dois anos na Coreia do Sul, e hoje estar no Schalke 04, ao lado de jogadores consagrados como Raúl. Na zaga do atual campeão holandês, o Twente, há Douglas, 22 anos, revelado pelo Joinville.

Fonte: ESPN Brasil

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