Contratado em janeiro de 2011 pelo Chelsea, David Luiz já viveu praticamente de tudo nos Blues. Estreia, pouca intimidade com o idioma, primeira vez como capitão, título da Liga dos Campeões... Isso em 59 jogos com a camisa da equipe inglesa. Mas, em dezembro, no Japão, o zagueiro tem tudo para passar por um momento bem diferente de todos já vividos em Stamford Bridge. O "maloqueiro, corintiano e sofredor" dos tempos de garoto em Diadema - município de São Paulo - vai dar lugar ao defensor da equipe azul, que poderá ter o Corinthians pela frente na decisão do Mundial de Clubes, no dia 16 de dezembro, em Yokohama.
Mas a euforia de menino com os títulos do Corinthians de Marcelinho Carioca, Ronaldo & cia. deu lugar ao habilidoso defensor do Chelsea. Das alegrias de torcedor na arquibancada do Parque São Jorge às boas atuações dentro dos principais estádios da Premier League. Tudo mudou na vida de David Luiz. Apesar da infância saudosa, o zagueiro sabe que a história é outra. Profissional, a paixão agora é azul, atende pelo apelido de "Blues". E, dentro de campo, o camisa 4 sabe da importância que é vencer uma competição como o Mundial.
- Nasci em Diadema. Era corintiano, agora sou Chelsea com amor. Hoje sou jogador de futebol, encaramos um novo desafio a cada dia. Não é a mesma coisa de quando eu tinha 10 anos e empinava pipa com a camisa do Corinthians. Lembro do Ronaldo (goleiro), do Marcelinho Carioca, do Mirandinha, do Dinei, do Edílson... Tenho um amigo de infância que está aqui em casa estudando inglês e lembro de uma história com ele. Assisti à final de um Campeonato Brasileiro entre Corinthians e Atlético-MG (em 1999). Foram três jogos (o Atlético venceu a primeira por 3 a 2, o Corinthians, a segunda, por 2 a 0, e o terceiro confronto acabou empatado - 0 a 0), cada um torcendo pela sua equipe. Mas agora é completamente diferente. Vejo o outro lado da profissão, defendo as cores do Chelsea com orgulho e amor. Vou para o Mundial contente por termos um time brasileiro, onde tenho alguns amigos. Quando a partida começar, cada um vai defender o seu lado e vai se dedicar para ganhar o jogo. O futebol é que sairá ganhando - revelou o zagueiro.
Antes de um possível confronto contra o Corinthians, que terá que encarar nas semifinais os africanos, japoneses ou o Auckland City, da Nova Zelândia, o Chelsea também terá que ultrapassar o vencedor da partida entre o Monterrey, do México, e o campeão asiático. O sorteio foi realizado pela Fifa na última segunda-feira, em Zurique, na Suíça.
De contrato renovado com o Chelsea até meados de 2017, David Luiz também aproveitou para relembrar de companheiros com quem atuou no Brasil. Citou os zagueiros Wallace, que pertence ao Corinthians, e Anderson Martins, hoje no Qatar, e o atacante Marcelo Moreno, do Grêmio. Todos ex-companheiros da base do Vitória. O defensor dos Blues não esquece dos amigos de antigamente. Mas também faz questão de exaltar os parceiros da atualidade. Na entrevista por telefone ao GLOBOESPORTE.COM, não deixou de falar de Ramires, Oscar ou Lucas Piazon.
Oscar, por exemplo, se tornou o irmão mais novo de David Luiz. O defensor cuidou tão bem do amigo, recém-chegado ao Chelsea, que cedeu até o quarto de casa para o parceiro descansar após a atividade no centro de treinamento da equipe londrina, nos arredores da capital da Inglaterra.
- O Oscar, inclusive, está dormindo na minha casa agora (durante a entrevista). É amizade pura, um garoto sensacional. Como pessoa, ele é sensacional. O gol dele (contra o Juventus, pela Liga dos Campeões) foi como se tivesse sido meu. Ele vinha conversando comigo a semana inteira, perguntando como era um jogo de Champions League, como era a música... Era um sonho que eu já tinha vivido e ele viveu também. Eu disse que a ansiedade iria passar, que era como um jogo qualquer. Disse que ele tinha valor para jogar em qualquer parte do mundo. Claro que todos têm um tempo de adaptação, mas isso é normal. Foi bom ele ter feito logo o primeiro gol também. Tínhamos combinado uma dancinha para o gol de qualquer um dos brasileiros... E foi o que aconteceu. O Oscar é como se fosse um irmão - relatou.
E a adaptação foi justamente o período mais difícil de David em sua chegada ao Chelsea. Como quebrar o gelo com os sisudos britânicos? Jamais deixar de ser o brincalhão dos tempos de Vitória e Benfica. E a tática surtiu efeito.
- Parei ao lado do Lampard em uma entrevista e avisei: “não vou entender nada” (do idioma). Comecei a brincar fingindo que estava entendendo tudo, mas não entendia nada de inglês. Foi um grande desafio quando vim para cá (Inglaterra). Pensava comigo: “sou extrovertido, adoro brincar e fazer umas piadas. Não posso mudar”. Foi um desafio grande. Não podia deixar de ser quem eu era. Mostrar que o brasileiro era alegre. Depois de um jogo da Champions, um repórter me perguntou: “Por que você é tão feliz?”. Eu respondi: “Porque você não é? A gente é o que quer ser”. Tenho a profissão que eu sempre quis ter e agradeço a Deus todos os dias por isso. Somos privilegiados pelas coisas que temos em nossas carreiras. Às vezes, um sorriso muda a vida de uma pessoa, de um casal, de uma família. Uma brincadeira pode mudar a vida de alguém que não passar por um momento naquela ocasião. Brinco com todos. Quando não estou sorrindo no clube, todos querem saber o que aconteceu. Ficou marcada essa característica minha na equipe.
GLOBOESPORTE.COM: O que achou do sorteio do Mundial de Clubes? O Chelsea pegou o cruzamento mais complicado?
DAVID LUIZ: Em uma competição como essa qualquer time vai nos trazer dificuldades. Todos tiveram mérito de estar numa competição como o Mundial. Temos que nos preparar para vencer qualquer adversário.
O que conhece dos adversários (Monterrey ou clubes asiáticos)?
Só conheço os brasileiros que jogam nesses clubes. Não tenho ainda muita noção do que vamos ter pela frente. A partir do momento que chegarmos mais perto do torneio é que vamos conhecer os rivais do Chelsea.
Qual é a importância que o Chelsea dá para a competição?
Muita gente fala dessa forma... Diz que os clubes europeus não se importam com o torneio porque estão no meio da temporada. Mas o pessoal dá muita importância. É uma importância dada em curto prazo, não em longo prazo. Estamos nos preparando para grandes jogos, temos a Premier League, a Champions. Mais perto é que vamos traçando o caminho, os objetivos que vamos querer alcançar na temporada. Se estivermos no meio da tabela, em cima... Tudo será definido com metas. O Chelsea, como clube sério que é, quer vencer todas as competições. Vamos entrar com o intuito de ganhar mais uma.
O que mudou com a entrada do Di Matteo no comando da equipe?
O Di Matteo é um treinador que tem uma filosofia de trabalho como a dos outros. Não tivemos mudanças bruscas. É até similar ao treinador anterior (o português André Villas-Boas). O resultado, claro, ajudou bastante. Chegamos no meio da temporada passada no fundo do poço. Viramos o jogo, subimos de produção. O jogo de volta contra o Napoli foi o divisor de águas da temporada. Atropelamos o time deles em casa e as coisas passaram a acontecer de forma positiva. A partir disso, o nosso time foi ganhando mais confiança. Esse é um sentimento que ajuda em qualquer profissão. No futebol, ainda mais. É importante quando uma equipe está confiante, quando sabe o que fazer em campo e lidar com as adversidades. A maturidade do Chelsea foi importante naquele momento para vencer os jogos de dificuldade elevada.
O Chelsea se transformou no time a ser batido na Liga dos Campeões?
É natural que o último campeão seja o time a ser batido. Assim como o nosso time quis vencer o Barcelona, nós agora somos os detentores do troféu. São grandes times que vamos enfrentar, grandes jogadores. O Juventus não deixou se abater naquela partida e foi buscar o empate. Sabemos que será sempre dessa forma. Será do primeiro ao último jogo.
A sua personalidade, liderança, tem chamado a atenção no Chelsea. O seu estilo é o segredo de seu sucesso na Europa?
As coisas aconteceram bem rápido na minha carreira. Já tenho seis anos de Europa, sete de profissional. Se pensar que um jogador atua por até 15 anos, já estou na metade do caminho. Essa coisa da liderança faz parte da minha personalidade, do meu perfil. Tento me impor de uma forma positiva, sempre tentando ajudar, tentando mostrar que eu sou o que posso ser, aquilo que eu posso acrescentar não só para a equipe, mas para o clube. Sempre tento entender a mística de um clube e o que podemos representar para ele dentro ou fora de campo. Converso muito com o Oscar e com o Ramires. Costumo dizer que somos o espelho da nossa equipe dentro e fora de campo. Quando cheguei ao Chelsea, com inúmeros craques, jogador que eu só via no videogame ou na TV. Todos atletas consagrados. Aprendi muita coisa e pude mostrar que poderia ter a mesma visibilidade deles dentro do time.
Já viveu alguma história curiosa por conta do seu estilo?
Não tinha ido bem em um jogo e os fisioterapeutas vieram conversar comigo: “você sempre nos pergunta. A família está bem? A saúde está bem? Bola para frente”. Não deu outra. No outro jogo, eu fiz um gol e o nosso time venceu a partida. Já tentei ajudar o Ramires, os ingleses, que não costumam brincar muito. Até o Lampard, que é um cara meio fechado, começou a brincar por conta disso. Ele tem uma personalidade diferente. Tem dia que fala “bom dia”, no outro já não fala. Isso é dele. São legais essas coisas de agregar um novo estilo a uma filosofia bem diferente. Você pode ser melhor a cada dia. Basta tentar sempre e se dedicar a isso.
Como é a sua relação com John Terry?
Eu me dou muito bem com ele. Ajudou muito na minha chegada ao Chelsea, mostrou o que era o futebol inglês. Ele também costuma falar que eu o ajudo. O Terry está em um caminho diferente... Não tem mais a mesma velocidade. Tentamos nos completar.
Como os companheiros e o clube têm visto a atual situação de Terry (deixou a seleção inglesa e tem convivido com as acusações de atitudes racistas contra o zagueiro Anton Ferdinand, do Queens Park Rangers)?
Todos tentam ajudá-lo da melhor maneira. O clube sempre dá força. Ele não foi ao treino porque estava em uma reunião sobre essa situação que está passando. O clube está ao lado de todos. Quando acontece esse tipo de coisa, o clube está sempre ao seu lado. Temos que valorizar isso. Não estamos sozinhos.
O Chelsea tem uma médica mulher na beira do campo: a doutora Eva Carneiro. Como os jogadores lidam com essa situação inusitada?
É diferente ter uma médica na beira do campo. Mas é uma pessoa sensacional. Todos pensam dessa forma. Fico feliz de ver uma mulher que trabalha sério, que se dedica todos os dias para nos ajudar. Faz o trabalho dela tão bem quanto o de um médico homem.
Como foi ser o capitão da seleção brasileira nos amistosos contra a China e a África do Sul? Qual foi a sensação?
Não só valeu pela confiança do treinador, mas do grupo. Motivo de orgulho ser o capitão da nossa nação. Tentei dar o meu melhor. Não é fácil liderar quando temos jogadores de grande talento como temos na Seleção. Estou feliz com o voto de confiança do Mano. Lidar com pressão todos os dias não é fácil. Ele tem personalidade, é inteligente. Senti o que é ser capitão da Seleção, como é ser capitão da melhor seleção do mundo.
Qual foi a sensação quando ficou fora da lista para os Jogos de Londres?
Fiquei tranquilo. A Seleção não é só o David Luiz, nós temos que estar juntos em todos os momentos. Quando fui para os Estados Unidos depois da Champions, eu estava machucado e pude me tratar ao lado dos meus companheiros. Tenho prazer em estar junto com a Seleção. O Mano pediu para eu ficar, para tratar com o grupo. Os jogadores gostam dele. Ele fez as melhores opções para o grupo. Só poderiam ir três acima da idade e a Seleção é uma só. Independentemente de Olimpíadas, de estar jogando ou não, é o grande diferencial. Quando se tem jogadores que entendem essas atitudes, as coisas acontecem de maneira positiva. Só agrega e dá valor ao grupo. Vou estar sempre à disposição, perto ou longe, mas com o coração sempre junto. Vibro sempre com a Seleção.
O goleiro Julio César não tem sido mais chamado para a Seleção e recentemente trocou a Itália pela Inglaterra. Já encontrou com ele? Como foi?
Logo no primeiro dia que ele chegou a Londres veio até aqui. Veio me dar um abraço. É um novo desafio na carreira dele, está trabalhando como se estivesse começando, como um moleque de 19 anos. Fiquei contente com tudo isso. Até mesmo empatando, ficamos tristes pelo resultado (na estreia do goleiro, Chelsea e Queens Park Rangers empataram por 0 a 0), mas ver que do outro lado um cara que você gosta fechou o gol é ótimo. Na última rodada, ele também teve uma ótima atuação, mas não evitou a derrota de sua equipe.
Quem acompanha a Seleção percebe como o grupo atual é unido e gosta de estar junto. Essa é uma qualidade que pode se tornar a principal virtude de uma equipe em busca dos títulos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo de 2014?
Esse é um grande passo para as coisas acontecerem de forma positiva. Sei quanto é bom trabalhar com pessoas que são amigas, que se gostam. Já joguei em grupos que se gostavam e outros que não se suportavam. Todas as pessoas conseguem enxergar como gostamos de estar juntos. Isso vai ser um diferencial para esse time manter isso para o futuro, como na Copa das Confederações e na Copa. Não tem lugar melhor do que o Brasil, e nenhum outro povo melhor do que o brasileiro. Temos que cantar mesmo abraçados o hino (como ocorreu contra a China, em amistoso realizado no início de outubro, em Recife). Imagina o torcedor vendo isso dentro do estádio. É ótimo para qualquer um. Os brasileiros vão ficar cada vez mais unidos.
Fonte: Globo Esporte
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